quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Carta de uma Lembrança

Socorro!Socorro! (sussurro) socorro... estou presa aqui a tantos sóis que perco-me em quantidade.Tempo é relativo.Hoje eu sei.Ao meu lado muitos já mortos me fazem companhia,somos prisioneiros de outros iguais a nós.
Hoje descobri meu maior defeito:Nascer como sou.Nasci com algo de não deveria ter nascido.A cor.Sou negro,é assim que eles me falam.
Trago comigo,hoje,nada.Deixei no porto meu sorriso,minha dança,deixei minha vida.Vou moribunda pensante sobre as águas pra o incerto,para onde não sei.Vou eu carga,ficou eu gente.Meu peito cheio de leite chora, quer encontrar a boca do meu miúdo,que se perdeu, sem nome. Ele será mais um ninguém.
As correntes que me prendem ao chão já não se fazem necessárias, não tenho forças para fazer nada a mais do que faço agora. Pensar. Durmo sempre que o medo me deixa a sós com os corpos sem vida. E acordo quando o barulho trás junto a si o medo e branco.Não o entendo, ele não me entende.
Não escuto minha voz fora da cabeça a dias,mas aqui dentro ela não para de ecoar, de procurar respostas que não existem.Agora tenho esperança de que esses pensamentos virem lembranças, e essas cheguem a alguém.Penso também querer parar de pensar, e deixar então de ser moribundo pensante.Para ser feliz.E ver se com a morte encontro a vida.E no escuro da eternidade encontro a casa.Já não gosto do claro.